sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Para anotar no caderninho de viagem


Free tour em Lisboa - os cantos e os contos de quem vive na cidade
Mirelle Siqueira, 15/08/2012

Lisboa não foi a nossa primeira parada em Portugal, mas foi lá que vivemos uma das melhores experiências da nossa viagem de duas semanas pelo país, e é por isso que eu vou abrir os relatos falando do Zé - o cara capaz de fazer qualquer viajante cair de amores pela capital lusitana.


Trem chegando no meio da tarde + malas para deixar no hotel + check-in = um dia perdido da viagem. A fórmula imutável pode ser driblada se o destino for Lisboa e se o viajante aparecer na Praca Luís de Camões para o free tour que começa às cinco da tarde. Com um cadinho de sorte, vai ter como guia o José Guerreiro, que nos acompanhou por miradouros, nos contou segredos e nos mostrou cantos de Lisboa que só um verdadeiro lisboeta é capaz de conhecer.


Procurar por free tours é uma das primeiras coisas que a gente faz quando fecha uma viagem. Os guias são legais, os passeios são interessantes e, cá entre nos, esse lance de dar a gorjeta que cabe no nosso orçamento é uma mão na roda. Já fizemos em Jerusalém, Praga, Berlim, Amsterdã e gostamos de todos. Só que dessa vez não foi bom, foi espetacular! Não acredita em mim? Então dá uma olhada nas avaliações do Tripadvisor e veja que não estou exagerando. O free tour oferecido pelo José e seus amigos só recebe críticas positivas. Por quê? Talvez pelo fato de não ser uma empresa propondo os passeios, e sim um grupo de amigos que se reuniu para apresentar aos viajantes a cidade onde eles moram. O resultado é um passeio despretensioso e atípico, que foge dos pontos turísticos tradicionais (esses você pode visitar sozinho no dia seguinte).


Seguimos o José morro abaixo, morro acima durante quatro horas e nem vimos o tempo passar. Logo de cara ele já foi marcando muitos pontos comigo porque nos levou para caminhar pelo Bairro Alto. Mineira que sou, me senti em casa naquele lugar tão tradicional. A dinâmica dos moradores (esperar sentado na porta de casa por um conhecido que vai parar e bater um papo ou passar horas debruçados nas janelas olhando a vida passar) me lembrou as minhas férias nas casas de tios e avós lá no interior de Minas, ainda nos anos 80.


Também entramos de fininho no quintal de uma vila onde pudemos ver de perto outra característica muito forte dos portugueses: as roupas estendidas nas janelas e varais. Intimidade é uma coisa que não existe em Portugal. Nem pudor, viu? Todo mundo conhece cada buraquinho da lingerie do vizinho.


De lá seguimos para o primeiro miradouro do percurso, o de Adamastor. É ali que o pessoal mais animado se reune a partir das 17h para tomar uma cerveja antes de seguir para as ruas boêmias, do outro lado do bairro, que ficam abarrotadas depois das 23h. Miradouro, aliás, não faltou. Passamos por outros quatro para admirar (e fotografar, claro) as panorâmicas mais lindas da cidade.


Caminhamos pelas principais regiões de Lisboa ouvindo os contos do José, que além de uma boa conversa, adora História. De tudo o que ele nos contou, foram os acontecimentos do Largo de São Domingos que mais me marcaram. É que enquanto descobriam e colonizavam o Brasil, os portugueses também massacravam judeus.


Não estou pegando pesado. Em 1506, poucos anos após os judeus de Portugal serem obrigados a se converterem ao catolicismo para evitar perseguições e humilhações em praças públicas, um incidente pôs fim à aparente tolerância dos católicos. Enquantos eles rezavam em um extinto convento localizado no Largo, alguém viu no altar o rosto de Jesus iluminado. Um milagre para a maioria dos que estavam ali pedindo pelo fim da seca e da peste que devastava Portugal, mas nada além da sombra de uma vela para um cristão-novo que pensou alto e foi espancado até a morte. Começou então um linxamento de judeus, que durou três dias e fez centenas de vítimas. Um capítulo tão triste da história de Portugal, que no local onde mulheres, homens e crianças foram queimados em fogueiras existe hoje uma porção de símbolos de tolerância e arrependimento por parte da Igreja e também de Portugal.


O muro com a frase "Lisboa, cidade da Tolerância", escrita em 34 línguas, é hoje o ponto de encontro de imigrantes, principalmente dos africanos. Africanos muçulmanos que se reúnem no mesmo lugar onde judeus foram mortos há 500 anos. Junte à isso a placa com o pedido público de desculpas da Igreja Católica para entender porque eu gostei tanto deste lugar.


O Léo também gostou, mas por outra razão. O Largo de São Domingos também é destaque porque ali está a vendinha mais antiga de Ginjinha, a bebida típica de Lisboa. Desde 1840 este licor à base de ginja (uma fruta parecida com a cereja) é comercializado naquele lugar. Trouxemos várias garrafas para presentear os amigos mas acho que o meu marido vai acabar com todas elas antes de nos encontrarmos.

Não fosse o José, o Largo de São Domingos passaria batido, assim como a Ginjinha e muitos outros lugares que visitamos com ele. E é por isso que eu coloco o Lisbon Chill-out free tour no topo da minha lista das melhores coisas que Lisboa tem para oferecer - bem ao lado dos Pastéis de Belém, claro.

Fonte: 13 anos depois...

Nota da AB:
A autora do blog citado tem uma história pessoal bastante interessante, a qual vocês podem conhecer com detalhes passeando pelos belos textos que ela produz. Além disso, dá dicas inéditas e testadas por ela própria, o que é importante.
Pretendo experimentar este free tour num futuro próximo...
AB

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