Entre muitas motivações, a gente escolhe a cota que nos cabe para
desembarcar em Paris pela primeira vez. Realizar um sonho que tem como
cenário a cidade inteira, satisfazer uma curiosidade sem traços
definidos, adquirir objetos de desejo, expor-se a impactos culturais e
comportamentais, experimentar aquele prato naquele restaurante, poder
dizer “eu já estive lá”, cumprir uma etapa da viagem que se estende por
vários lugares – ou tudo isso misturado.
Voltar a Paris é partir em busca de si mesmo. Não importa que entre
uma viagem e outra você e a cidade tenham mudado nisso ou naquilo. Há
sempre por fazer algo que faltou, permanecem as doces ou excitantes
lembranças que impelem à repetição com a sabedoria adquirida, algo
aconteceu de novo que você quer conferir de perto. Ou, simplesmente,
você não resiste à tentação poética/patética de dobrar uma certa esquina
e encontrar, intacto, o momento, a descoberta, o enlevo, a comunhão
que sabe sem retorno.
O melhor de tudo é que a primeira volta não cura. Vicia. Torna-nos
um pouco fiscais ranzinzas e guardiães zelosos de paisagens físicas e
humanas. Irrita-nos encontrar mais uma loja cintilante do “Macdô”
ocupando o espaço da papelaria quase centenária, de fachada tão
desbotada quanto a velhinha de xale atrás do balcão. Parece que ninguém
mais manda cartas e as velhinhas trajam Adidas. Encanta-nos a
proliferação de riquixás, permitindo-nos trafegar com calma e correção
ambiental, enquanto alguém pedala por nós. Diverte-nos a mudança de
idiomas e tonalidades dos turistas, conforme a crise da vez. Na mídia,
já não levamos muito a sério os cartesianíssimos debates, em que mudam
apenas os vilões de cada discurso e os perigos de cada momento. De
parte a parte, os argumentos podem ser idiotas, mas a gramática é
impecável. Em compensação, somos acolhidos por exposições, espetáculos e
acontecimentos que, por si, já valeriam a viagem.
É nesse ponto que você cede à ilusão de que já faz parte de tudo
isso. De repente, a campainha da vida toca e termina o recreio. Que
pena e que bom. Que pena devolver as roupas aos armários de casa, que
bom as malas terem voltado em bom estado, para encherem-se novamente de
saudades, projetos e emoções. Você pode até fingir que não pensa na
próxima vez. Até achar no bolso do casaco um bilhete esquecido de metrô.
Nota da AB:
Copiei este texto do site Conexão Paris pois reflete fielmente meu sentimento em relação àquela cidade emblemática pelos mais variados motivos. Sei que muitos vão concordar comigo. Outros vão me chamar de arrogante. Que que eu posso fazer se fui contagiada por esta dócil doença chamada Paris?
AB