Outros textos interessantes do mesmo autor em http://interata.squarespace.com/
Somos turistas ou viajantes?
Posted on 04-11-2009
by Arnaldo Interata
Não importa como classificam os que viajam: "turistas" ou "viajantes", somos todos UM. (somos únicos, assim como o pombo acima que olha pra um turista (eu) que o fotografa em Valleta, Malta)
Turista (eu) fotografando o pombo acima |
É comum
que alguns seres humanos classifiquem outros seres humanos segundo
os diferentes modos de conduta social de cada grupo. Nada de errado.
Acontece que nem sempre o intuito de enquadrar e definir pessoas
segundo seu comportamento se justifica. Pior, frequentemente cria
estereótipos e esbanja superficialidades.
Classificar a complexidade humana em apenas duas categorias - seja lá
em que gênero for - quase sempre dá nisso.
Há, todavia, um
tipo específico de classificação que me interessa discorrer: são os
"turistas" e os "viajantes", aqueles estereótipos criados pela
sócio-antropologia, aquela que define o ser humano em viagem segundo seu
comportamento e atitudes e opõe o caráter do turista ao do viajante,
resumidamente atribuindo ao primeiro o título "de massa" e ao segundo o
de "individual". E de sobra ainda distingue fortemente "viagem" de
“turismo”.
Um dos autores mais citados na produção acadêmica sobre turismo é Malcolm Crick, um estudioso que escreveu que a literatura sobre viagens do século XIX retrata uma "viagem" como sendo uma “experiência restrita e valorizada”. Já os relatos do século XX, ao contrário, descrevem o "turismo" como "de massa", classificando-os como uma "descendência degenerada" da "viagem".
Um dos autores mais citados na produção acadêmica sobre turismo é Malcolm Crick, um estudioso que escreveu que a literatura sobre viagens do século XIX retrata uma "viagem" como sendo uma “experiência restrita e valorizada”. Já os relatos do século XX, ao contrário, descrevem o "turismo" como "de massa", classificando-os como uma "descendência degenerada" da "viagem".
De acordo com o autor, essa “inferiorização” (aspas minhas) se reitera
em parte da produção acadêmica, na qual se assinala a conexão
etimológica do termo viajar (travelling) com a noção de trabalho (travail), enquanto no turismo o indivíduo almeja a passividade, não a atividade. Sentido faz.
"Turistas
procuram na cultura local aquilo que se ajuste às suas necessidades.",
está é uma das definições mais comuns ao "turista". Segundo o
personagem Port - em "O céu que nos protege", de Bertolucci,
(1) - “o turista pensa em voltar para casa assim que chega”. O
turista é tido invariavelmente como aquele que desembarca de um ônibus
turístico de dois andares com ar condicionado, compra souvenir
em lojas turísticas, anda em grupo, carrega câmeras filmadora e
fotográfica, usa roupa de turista (camisa florida, chapéu de safari e
chinelos com meia), carrega mapas, come no McDonalds, não se esforça em falar palavras no idioma local e jamais se senta ao lado de um local, mas sempre com seus “semelhantes”. Faz sentido.
No espetacular filme de Bertolucci, os personagens Kit e Port
buscam na vastidão do Saara um sentido para suas vidas, novas
experiências na esperança de reconstruir as suas próprias vidas e, com
isso, salvar um casamento de dez anos, em crise. Daí, o casal não se
considera turista, mas viajante. Diferentemente, o amigo Turner se
considera um turista, pois não vê a hora de retornar para casa.
Os ônibus " não turísticos" de Malta são os mais turísticos do Mundo |
Turístico turista (eu de novo) bem típico |
Todavia eu acredito que tal classificação adquire conotações bem mais
amplas e particulares, que ela vai muito além da oposição entre o
caráter individual vinculado à viagem e o caráter de massa atribuído ao
turismo.
Creio mesmo que deveria haver ao menos duas novas categorias a
somarem-se à dos “viajantes” e dos “turistas”, a dos “turisjantes” e a
dos “viajistas”, o que decerto além de ampliar o espectro aceitaria que uns
podem encerrar características de outros. Eu mesmo frequentemente me
enquadraria em todas as quatro.
Pessoas são diferentes. E em viagens não fogem à regra. Os espertos
tentam categorizar os seres humanos em viagens em apenas duas espécies: a
de pessoas “viajantes” e pessoas “turistas”. Baseadas fundamentalmente
na maneira como elas se comportam em viagens. É algo que vejo como uma
tentativa de enquadrar o universo em um cubo e colocá-lo sobre a mesa.
Sem dúvidas é possível não apenas definir como classificar grupos
humanos, contudo é definitivamente impossível encarar a complexidade dos
seres humanos e seu comportamento social de maneira tão simplista e ter
sucesso. O resultado disso serve apenas para gerar discussão e criar
estereótipos.
Os ônibus turísticos de Barcelona são uma forma econômica de circular
que viajantes dispõem para conhecer os pontos turísticos da cidade
|
Os
estereótipos "turistas" e "viajantes" são assim definidos: de um
lado, os "turistas" seriam aqueles que esperam que suas viagens sejam o
mais parecidas com seu jeito de viver, aqueles que tendem a levar a casa
nas malas, que preferem não ter que tomar decisões no destino, para
quem as variações inesperadas tendem a ser mais estressantes do que o
normal. Frequentemente são aqueles que se encontram nos resorts bacanas
cuja estrutura é tão completa que não precisam sair deles. Ou as que
optam incondicionalmente por viagens em grupos. Seriam os típicos
viajantes de excursão. Turistas viajariam por ociosidade. Faz sentido.
Do outro lado estão os "viajantes", aqueles com espírito mais
aventureiro, os que procuram situações novas e mergulham mais
profundamente na cultura local. São os que viajam com maior autonomia e
optam por comer em lugares mais comuns aos locais, não turísticos, os que
invariavelmente usam transportes públicos e evitam grupos. Faz sentido.
Viajantes aceitam e se ajustam à cultura local da melhor maneira possível. Segundo o personagem Kit, do mesmo filme, “o viajante pode nem voltar”. Estes esforçam-se para comunicarem-se no idioma do país que visitam, sentam-se ao lado dos locais e comem sua comida. Tiram fotos discretamente e não usam guias locais, consultam seus guias de viagens. Viajantes viajariam por curiosidade.
OK, as definições correspondem à realidade, não se pode negar. Mas todos nós nos identificamos com um pouco de ambas as classes, certo? Portanto, não podemos ser classificados apenas como “viajantes” ou “turistas”, já que frequentemente podemos nos comportar como um e como outro, até mesmo durante uma mesma viagem.
Viajantes aceitam e se ajustam à cultura local da melhor maneira possível. Segundo o personagem Kit, do mesmo filme, “o viajante pode nem voltar”. Estes esforçam-se para comunicarem-se no idioma do país que visitam, sentam-se ao lado dos locais e comem sua comida. Tiram fotos discretamente e não usam guias locais, consultam seus guias de viagens. Viajantes viajariam por curiosidade.
OK, as definições correspondem à realidade, não se pode negar. Mas todos nós nos identificamos com um pouco de ambas as classes, certo? Portanto, não podemos ser classificados apenas como “viajantes” ou “turistas”, já que frequentemente podemos nos comportar como um e como outro, até mesmo durante uma mesma viagem.
A
maior parte das pessoas em viagem foi, é ou será um pouco "turista" e
um pouco "viajante". Todos acharão que há algo de “errado” em ambas as
categorias, que não se enquadram na sua categoria, mas igualmente todos
se indenficarão com algumas de ambas. Não há nada de errado em nenhuma
delas, ainda que eu alguém se idenfique mais com uma ou outra categoria.
Por vezes me sinto mais “viajante” do que "turista", noutras me enquadro em ambas. No problem! Sem preconceito. Sou turista tanto quanto sou viajante.
Numa
viagem de conhecimento, fundamentalmente me considero um turista: com
câmera, mapa e tudo mais o que caracteriza um visitante num país
estrangeiro ou noutra cidade que não a minha.
Em viagem de conhecimento e exploração, não é porque pegamos um ônibus
turístico com ar condicionado que devamos nos sentir “menos” viajantes do
que qualquer outra pessoa. Você foi lá tanto quanto ela, somos todos
visitantes.
O que nos difere fundamental e incontestavelmente é: disponibilidade
financeira, modo de vida, idade, grau de aceitação de desconforto,
aptidões físicas, saúde, capacidade de locomoção, grau de medo,
despreparo e desconhecimento. Certamente o leitor encontrará outras
tantas e as registrará na caixa de comentários.
Eu
jamais viajaria o mundo com uma gigantesca mochila nas costas aos 57
anos de idade, mas já fiz isso algumas vezes aos 18, não pelo mundo, mas
pelo Brasil. Valeu muito, mas apenas naquela época poderia ter valido,
hoje seria um programa insuportável. A maioria das pessoas tem um
certo padrão de conforto e de exigência que determina até onde está
disposto a se submeter, e tais padrões diferem grandemente, o que nos
aproxima de sermos mais ou menos turistas, mais ou menos viajantes. Não
obstante, todo viajante deva ter alguns graus a mais de tolerância e
complacência do que tem em sua casa, combinado com uma boa dose de senso
comum e ótima dose de senso de humor.
Não
se pode definir que apenas o "viajante individual" viaja com
autenticidade e que o "turista” não tem esssa experiência, ainda que
seja verdade que o “turista” tende a cumprir uma programação previamente
definida por agentes, cujo roteiro é escolhido pelo viajante segundo
suas possibilidades financeiras e pessoais.Ruas e janelas de Valleta - Malta (vistas sob a ótica fotográfica de um turista comum: eu) |
Será que não é possível haver turistas que viajam por curiosidade e viajantes que viajam por ociosidade? Não será possível aceitarmos que para além de turistas e viajantes haja outras classes? Será que apenas turistas têm poder aquisitivo para desfrutar de conforto e segurança, desejo de planejar para que riscos de erros se minimizem? Será que todas as pessoas que pertencem à elite financeira que faz turismo é necessriamente turista, não pode ser viajante? Será que viajantes não podem ser turistas ocasionalmente, e vice-versa? Será que apenas viajantes sentem o prazer da descoberta, o encantamento da novidade, a alegria do inesperado?
Eu sou turista, viajante, turisjante e viajista! E você?
Boas viagens, que é o que interessa!
Nenhum comentário:
Postar um comentário